Territórios do cotidiano e espaços de identidade

Para o economista Ladislau Dowbor, o espaço urbano e seu entorno rural estão adquirindo identidade e buscando qualidade de vida . Nessa entrevista à Olhar Cidadão para o Encontro de Ideias do Instituto EBX, ele dá uma aula de pensamento político sobre desenvolvimento.

ladislaw-dowborPensar a cidade onde se vive como territórios nos quais se desenvolvem as atividades do cotidiano reforça a percepção do local como espaço de identidade. Isso não significa isolamento, pois o âmbito local pode ser intensamente articulado com outros níveis territoriais, até perfazer o global. É assim que os territórios urbanos podem ser observados, e mais bem administrados, segundo o economista Ladislau Dowbor, um especialista no tema. Professor da pós-graduação da PUC de São Paulo, Dowbor é autor de livros como “O Que É Poder Local?” (Editora Brasiliense), “Introdução ao Planejamento Municipal” (Brasiliense/Cepam), e artigos como “Da Globalização ao Poder Local: A Nova Hierarquia dos Espaços” (Cortez) e “Os Desafios da Globalização” (Vozes).  Vale a pena conferir essa entrevista.

  

EI – O senso comum associa o termo território somente a um espaço geográfico. Como os conceitos de território e territorialidade têm evoluído?

Ladislau Dowbor – Hoje falamos em territórios, no plural. Há atividades que se desenvolvem no espaço planetário, como a especulação financeira, a especulação com commodities, a comunicação, e produtos globais, como o carro, o computador e outros. Mas, ao mesmo tempo, se reforça o chamado espaço local, que é onde as pessoas podem se conhecer, se reunir, colaborar. Esse último território é o da cidade, com o seu entorno rural. Cada vez mais esses espaços estão adquirindo identidade, buscando a qualidade de vida, políticas integradas. Não significa isolamento, pois o local, com as novas tecnologias, pode ser intensamente articulado com outros níveis de divisão territorial.

Como essa perspectiva de território relaciona o local com o global?

A conectividade radical que estamos atingindo com as novas tecnologias no permite ser ao mesmo tempo locais e globais, no que o Naisbitt [John Naisbitt, autor do livro Megatendências, Editora Nova Cultural] tem chamado de “glocal”. O espaço local tem adquirido maior importância, pois representa uma escala administrável, enquanto as políticas globais, na ausência de formas minimamente performantes de governança multilateral, tendem a gerar o caos. O sistema financeiro global é um exemplo deste desgoverno: o dinheiro circula no espaço planetário, mas os instrumentos de regulação estão fragmentados em 192 bancos centrais das nações.

Segundo essa evolução conceitual, o que caracterizaria os territórios urbanos?  

Hoje não se separa muito o urbano e rural, constituem o chamado “rurbano”, em que a própria área rural é gerida pela cidade local ou regional. Grande parte do emprego rural está nas cidades. As cidades têm o movimento chacrereiro e do chamado “cinturão verde”. O lazer é também frequentemente peri-urbano. A conectividade libera o “interior” do seu principal problema que era o isolamento. Estamos nos tornando sociedades mais integradas territorialmente, ainda que mais fragmentadas e isoladas nas cidades, particularmente nas grandes.

Quais as vantagens de se pensar a cidade como territórios, em relação, por exemplo, à implantação de políticas públicas?

Grande parte das nossas necessidades básicas demanda políticas que se gerem melhor no plano local. A saúde não se despacha por contêiner, não se compra em supermercado. É uma forma de organização social. A educação, a cultura, o lazer, o esporte, a arborização das ruas, a organização do transporte, tudo isto é eminentemente local, e tem de ser desenvolvido de acordo com as situações diferenciadas locais. E no plano local, as pessoas podem controlar e participar melhor.

 E quanto à educação, como ela pode contribuir para a apropriação do território pelos habitantes da cidade?

Pintadas, município do semi-árido baiano, mudou o currículo escolar, e ensina as tecnologias do semi-árido nas escolas. O diploma não é para escapar da sua realidade, e sim para aprender a transformá-la. Os exemplos abundam, como o movimento Minha Escola, Meu Lugar, em Santa Catarina; o projeto Folhas, no estado do Paraná, e outros. É mais do que a educação: trata-se de se apropriar dos conhecimentos, inclusive das tecnologias, necessárias ao desenvolvimento local sustentável. O movimento Cidades Sustentáveis é, nesse sentido, um exemplo.

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