Política pública: o fio que costura nossa história

Fazer retrospectivas pode trazer sempre um risco de contar a história com um viés ou tendência de algum recorte. Por isso, entre “a narratividade e a objetividade”, escolhemos contar um pouco dos 18 anos de vida da Olhar Cidadão buscando como fio condutor o vínculo permanente com as políticas públicas e o exercício de direitos sociais, que marcaram nossa trajetória em quase duas décadas de trabalho.

Essa escolha tem uma razão de ser. Vivemos um tempo de alerta, em que políticas públicas que representam marcos civilizatórios, não só para a população brasileira, mas para toda gente do planeta, parecem estar fragilizadas e sob risco de retrocessos. Por isso, lembrar delas é também um manifesto em defesa do que acreditamos, que é o compromisso com estratégias para o desenvolvimento humano vigorosas e transformadoras de fato.

Tivemos o privilégio de nascer num momento em que a visão de empresas, institutos e fundações privadas, que investiam no campo social, começava a reconhecer a importância de fortalecer políticas públicas, atuando para que os cidadãos tivessem mais acesso a direitos e os governos qualificassem sua atuação para garantir isso. Parece óbvio hoje, mas não era antes. E a partir daí, nosso esforço foi criar pontes e apontar oportunidades de potencializar investimentos, juntando energias nessa direção.

Quando nascemos em 2003, uma das batalhas importantes daquele momento era a criação de políticas públicas voltadas para a juventude, que culminariam dez anos depois no Estatuto Nacional da Juventude (Lei 12.852 de 05 de agosto de 2013). Para isso contribuíram muito as Conferências Nacionais de Juventude, cujas etapas municipais e estaduais acompanhamos de perto. Foram experiências marcantes como a Conferência do Tocantins, onde sentamos lado a lado de grupos em cuja diversidade se sentia o pulso da juventude.

Esse ciclo marcou a criação do projeto Onda Jovem, para apoiar educadores e gestores públicos nas recém formadas secretarias de juventude, que não tinham acesso aos conhecimentos para lidar com os desafios específicos dessa faixa da população. Hoje o acervo completo da publicação Onda Jovem, criada e desenvolvida pela Olhar Cidadão com o apoio do Instituto Votorantim, pode ser encontrado em https://issuu.com/ondajovem.com.br. Essa iniciativa foi uma dentre muitas que nos aproximaram de projetos com foco nos direitos juvenis, como o Busca Jovem (Gife), o Futuro em Nossas mãos(iV) e o Jovens de Futuro (IU).

Um salto alguns anos à frente e estávamos diante de outro importante instrumento de política pública, nesse caso na área da Educação, que demandava apoio e compreensão por parte de gestores públicos e comunidade escolar. Era o Plano de Ações Articuladas – PAR, estratégia de assistência técnica e financeira iniciada pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, fundamentada no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

O PAR trouxe avanços importantes, com indicadores definidos a partir de diagnósticos locais, para consolidação de planos de trabalho, voltados à melhoria de condições para o aprimoramento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de redes públicas de ensino. Nesse contexto, a Olhar Cidadão teve oportunidade de construir o Parceria Votorantim pela Educação, destinado a sensibilizar, mobilizar e engajar gestores públicos e comunidades no desafio da melhoria da qualidade da educação com foco no uso das ferramentas do PAR. Ao longo de mais de dez anos, a questão dos indicadores de qualidade na educação foi um tema presente em nossas atividades,  não só no PVE (hoje Parceria pela Valorização da Educação) como no Programa Integrar, desenvolvido para a Kinross em Paracatu (MG), onde a política se materializou na prática com ações que promoveram a elevação do  Ideb das escolas envolvidas.

Outro salto no tempo nos leva à Política Nacional de Resíduos Sólidos, já no ano de 2015, quando concebemos e desenvolvemos o Programa de Educação Ambiental – PEA Campo Limpo, do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias, cujo objetivo central tem sido disseminar a PNRS e, principalmente, o conceito de responsabilidade compartilhada na gestão de resíduos sólidos.

Com essa temática, o PEA Campo Limpo ocupou um espaço único como programa ambiental calcado em uma política pública essencial para a sustentabilidade dos municípios brasileiros, e que afeta cada cidadão. Tendo sido reconhecido como boa prática na plataforma da ONU de iniciativas voltadas ao Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nos últimos cinco anos, o programa obteve um grande crescimento com mais de 240 mil alunos e 2.570 escolas participantes. Hoje alcança também toda a rede de escolas municipais na capital paulista, por meio de um EAD, multiplicando-se em 2020 para mais 12 mil alunos do Ensino Fundamental 1 na cidade.

Embora outras políticas públicas tenham sido aliadas do nosso trabalho ao longo destes 18 anos, como é o caso da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) que orientou a criação do Programa Parceiros do Futuro, da Fundação Itaúsa Industrial, não podemos deixar de mencionar em tempos recentes a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que dá o norte ao projeto Viver Cidadania, da Hydro Norsk no Pará.

Com foco na qualificação do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) de Paragominas (PA), e no fortalecimento institucional da gestão do órgão responsável pelos CRAS e CREAS do município, o Viver Cidadania está calcado nas diretrizes da PNAS. Tem o caráter inédito de produzir um legado para a formação de quem atua na área, impactando diretamente crianças, adolescentes e idosos, que estão entre as populações locais mais vulneráveis. Hoje, estamos trabalhando nesse desafio com a Hydro, com muito interesse em contribuir para a aplicação da política que rege a assistência social nos municípios brasileiros.

Falando em futuro, outras duas frentes em que estamos envolvidos são a defesa da criação do Sistema Nacional de Educação e a aplicação da Lei Menino Bernardo. No caso desta lei, nossa atuação se dá por meio do apoio à Rede Não Bata, Eduque (RNBE), que defende a desnaturalização da prática dos castigos físicos e humilhantes como forma de educar e cuidar de crianças e adolescentes no meio familiar, escolar, comunitário, nos meios de comunicação tradicionais e nas mídias sociais.

Ao desenvolver o planejamento estratégico da Rede para os próximos cinco anos, a Olhar Cidadão também se envolveu nesta causa cujo êxito, a exemplo do que aconteceu com a Lei Maria da Penha, depende do conhecimento e da aplicação da lei. A disseminação de práticas não violentas de educação e o compromisso com a participação de crianças, adolescentes e jovens no processo de mudança cultural são essenciais para a erradicação desse comportamento, hoje naturalizado pela sociedade brasileira.

Por fim, entramos em 2021, com o desafio de apoiar também o Movimento Colabora Educação (MCE) na sua missão de advocacy pela aprovação de uma lei federal que regulamente o Sistema Nacional de Educação (SNE). Para se ter uma ideia da importância dessa regulamentação, é possível compará-la ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que, em seus respectivos campos, são fundamentais para a governança federativa e o alinhamento de ações entre os entes nacionais (união, estados e municípios).

Superar essa lacuna em políticas públicas de educação é fundamental para o país e a Olhar Cidadão é parceira na gestão do conhecimento e na comunicação da causa do Colabora, cuja defesa do Sistema Nacional de Educação se baseia em evidências de que práticas, políticas e experiências colaborativas, coordenadas entre os atores federais, estaduais e municipais, são fundamentais para a melhoria da aprendizagem e a promoção da equidade na educação.

 

 

 

 

 

 

 

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