“Sonho com escolas mais atentas à realidade”
Caco Barcellos, entrevistado pelo jornalista Aydano André Motta, fala sobre sua experiência escolar na juventude, na edição 14 da revista Onda Jovem.
O gaúcho Caco Barcellos é um exemplo de vitória pelo esforço. Nascido numa comunidade pobre de Porto Alegre, 59 anos atrás, ele transformou-se num dos mais respeitados jornalistas brasileiros, com uma trajetória marcada pela ética e qualidade no trabalho. Repórter investigativo, forjado na ditadura militar, foi correspondente internacional, e autor de livros como “Rota 66, a história da polícia que mata”, um impressionante levantamento sobre a tropa de combate da polícia de São Paulo que o obrigou a sair do país, sob ameaças de morte. Caco recebeu mais de 20 prêmios jornalísticos, entre eles uma distinção especial das Nações Unidas, como um dos cinco jornalistas que mais se destacaram, nos últimos 30 anos, na defesa dos direitos humanos no Brasil. Hoje, toda essa experiência orienta jovens profissionais, no programa jornalístico “Profissão: repórter”, da TV Globo. Caco conversou com a revista, sobre suas experiências formadoras.
Onda Jovem: Em qual escola você cursou o Ensino Médio? Quais são suas principais recordações desse período?
Caco Barcellos: Estudei em escola pública a minha vida inteira e sou eternamente grato a Leonel Brizola, porque me beneficiei de sua aposta na educação. Nasci numa família simples de Porto Alegre, e só pude ir para o colégio aos 8 anos de idade. Aprendi a ler sozinho, por meio de placas, com a ajuda da minha irmã. A escola, feita pelo Brizola, era de madeira, mas já no conceito de período integral. Ganhei, assim, noções de cidadania, alimentação de qualidade e material – lá recebi meu primeiro caderno. O ensino médio foi cursado na Escola Júlio de Castilhos, o Julinho, no centro da cidade. Tive professores interessantíssimos, que infelizmente terminaram, muitos deles, cassados pela ditadura militar. Os últimos dois anos foram péssimos, com professores ligados à ditadura, informantes do regime, etc.
Você teve algum professor, no Ensino Médio, que influenciou sua escolha profissional? Como se deu essa influência?
A grande influência foi de Ruy Carlos Ostermann, comentarista esportivo famoso no mundo inteiro e, na minha época de colégio, professor de filosofia brilhante. Fiz cursinho pré-vestibular, e ele era um professor-artista, com narrativa muito talentosa, eloquente. Ficava fascinado, nas aulas que ele dava, com o raciocínio e a oratória dele. É a referência mais forte que tenho. Por coincidência, no primeiro jornal em que trabalhei, a “Folha da Manhã”, ele era diretor de redação. Foi muito marcante, um ídolo que, para minha sorte, pude conhecer no dia a dia do trabalho, à frente de um grupo interessante de jornalistas, profissionais jovens e talentosos, que passaram por São Paulo e Rio. Eles formaram uma equipe que tive a sorte de integrar.
Que tipo de jovem você era no Ensino Médio: rebelde, estudioso, alheio…? Como você se relacionava com o restante da escola?
Tinha sido mais estudioso antes, era muito cuidadoso com lições de casa, adorava estudar. No antigo ginásio e no que se chama hoje Ensino Médio – à minha época, científico –, eu trabalhava e estudava. Minha lembrança é de um curso cansativo, feito à noite. Tinha virado rebelde, meus amigos mais maduros haviam entrado na luta política, e fiquei com aquela revolta comum aos jovens mais politizados, que quase viram as costas para o sistema todo. Perdi o encanto, porque, por causa da repressão, a escola virou referência de medo e indignação. Cheguei a ser preso na escola, e passei uma noite na cadeia, após uma manifestação estudantil em frente ao Julinho. Na verdade, o processo decisivo veio não de um professor, mas de um colega, que sentava ao meu lado na sala. À época, eu gostava de escrever crônicas, sem saber que aqueles textos tinham esse nome. Saía com meu cachorro vira-latas pela rua e depois, botava no papel meus pensamentos e impressões. Não tinha coragem de mostrar para ninguém, mas um dia, esse colega leu. “Cara, como você esconde esse negócio aqui? Você tem que ser escritor”. Foi a primeira referência que tive de outra profissão. E olha que no dia anterior tinha tirado 2,5 em português. Fiquei muito feliz e continuei escrevendo. Talvez tenha sido a mais importante influência para, um dia, eu virar jornalista.
Sobre o projeto
O projeto Onda Jovem é mantido pela Olhar Cidadão como um portal que disponibiliza conteúdos para educadores que trabalham com jovens.
Ao longo de cinco anos, o Instituto Votorantim viabilizou a publicação de 21 edições da revista Onda Jovem e o portal. O aprendizado sobre questões que afetam a juventude permitiu à Olhar Cidadão reunir conhecimento e experiências, hoje aplicadas em diversas frentes de atuação que envolvem especialmente a educação de jovens.
Abastecido diariamente com notícias, o portal oferece ainda planos de aula para educadores e acesso gratuito a edições temáticas sobre Educação, Direitos, Arte e Cultura, Projeto de Vida, Família, Trabalho, Comunicação e Território, entre outros assuntos.